A cláusula arbitral geralmente é restrita àqueles que formalmente assinaram o pacto, não alcançando terceiros. Todavia, como tudo no universo do Direito, existem exceções: casos em que a cláusula arbitral pode ser estendida a esses outros atores envolvidos [1]. É sobre tais situações que se discutirá a seguir.
Agência
São muito comuns situações em que quem assinou a cláusula arbitral foi um representante. Logicamente, o representante não é considerado parte, visto que agiu em interesse do representado. As complicações geralmente ocorrem quando o representante não estava realmente autorizado a realizar esse tipo de contrato mas todas as aparências levaram a outra parte a concluir que sim. Em casos como esse, o representado pode, mesmo assim, ser obrigado a arbitrar.
Transferência de Contratos/Direitos Contratuais
Outra hipótese, que geralmente envolve empresas, é a transferência de contratos ou de direitos contratuais, podendo ocorrer por meio de fusões e aquisições. Por exemplo, a empresa A tem relações contratuais com B e elas estão sujeitas a uma cláusula arbitral; se A for adquirida por C e mantiver as relações com B, a cláusula arbitral também continua vigente, mas agora entre B e C. O famoso caso Anel v Trelleborg [2] envolve a aquisição de uma empresa, além de grupos econômicos, o que será discutido mais abaixo.
Boa-fé
No Direito brasileiro, a boa-fé é um princípio e também uma cláusula geral presente em todos os contratos, inclusive nos de arbitragem. Em resumo, um sujeito não pode agir em contradição com seus próprios atos, pois eles geram expectativa na outra parte. Sendo assim, a parte que não assinou a cláusula arbitral, mas iniciou a arbitragem, pode ser obrigada a arbitrar, visto que sua intenção fica demonstrada por seus atos.
Estipulação em Favor de Terceiro
Quando um terceiro é beneficiado por um contrato que possui cláusula arbitral, tal cláusula pode ser estendida a ele com base no art. 436, do Código Civil. Essa figura jurídica é muito comum em contratos de seguro, por exemplo, um seguro de vida feito por A com a seguradora B, em que o beneficiário é C e não A.
Grupo Econômico
Talvez a situação mais complexa seja a que envolve grupos econômicos. Trata-se de uma teoria jurídica que encontra respaldo no Direito brasileiro (Lei 6404/76) e, muitas vezes, é utilizada como argumento para estender a cláusula arbitral.
O caso mais famoso no Brasil é o Anel v Trelleborg, mas ele também envolve a transferência dos direitos contratuais, como mencionado anteriormente. Por isso, muitos defendem que o grupo econômico sozinho não é suficiente para estender a cláusula arbitral, é preciso existir outro elemento fático que indique, ainda que implicitamente, o consentimento.
Desconsideração da Personalidade Jurídica
A desconsideração da personalidade jurídica (art. 50, CC) também pode ser utilizada para estender a cláusula arbitral. Apesar de, em casos concretos, se parecer com a hipótese anterior, a desconsideração da personalidade jurídica não deve ser confundida com o grupo econômico, haja vista que é utilizada exclusivamente em situações que envolvam abuso.
Considerações Finais
Trata-se de uma questão complexa, existindo grande debate entre os juristas quanto à possibilidade de isso ser uma afronta ao Princípio da Autonomia da Vontade. Por esse mesmo motivo, os Tribunais brasileiros tendem a interpretar a extensão restritivamente, analisando os fatos para encontrar elementos de anuência tácita ou, ao menos, de presunção de anuência [3]. Dessa forma, um “terceiro” pode ser considerado parte (e obrigado a arbitrar) ou não-parte (e não obrigado a arbitrar), apenas depois que um juiz/tribunal decidir sobre a extensão naquele caso.
[1] OHLROGGE, Leonardo. Multi-Party and Multi-Contract Arbitration in Brazil. 1ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2020.
[2] BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível nº 267.450/7, 7ª Câm. de Direito Privado. Relator: Des. Constança Gonzaga.
[3] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.698.730 – SP (2016/0146726-1). Relator: Min. Marco Aurélio Bellizze.